terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Samaipata, o último vestígio da Civilizaçao Inca


Repórter subiu a Cordilheira dos Andes, na Bolívia, para explorar a última morada dos Incas

Texto e fotos: Cláudio Eduardo



Pedras ainda contam a história de parte da América do Sul. A estonteante Cordilheira dos Andes, por séculos, escondeu os últimos vestígios de uma das civilizações que construíram nosso continente: os Incas. Hoje, o Parque Arqueológico de Samaipata atrai turistas de todo o mundo para explorarem visualmente o que o passado nos deixou. Em 1998 o “Forte de Samaipata” – que fica a praticamente dois mil metros de altitude, na Bolívia – foi declarado Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade pela Unesco.
Toda a vila se construiu ao redor de uma pedra que foi lapidada por uma civilização anterior aos Incas: os Chanés. Estima-se que eles tenham habitado aquele lugar no alto dos Andes entre os anos de 800 e 1300 depois de Cristo. Neste período, numa época em que não se tinha as técnicas de construção (que depois, sim, seriam desenvolvidas pelos Incas), eles esculpiram uma pedra que mede, de uma ponta à outra, 220 metros para servir de abrigo e para a realização das cerimônias. Passados tantos séculos, ainda é possível ver desenhos ao longo da pedra que reforçam um pouco mais daquela cultura anterior aos Incas, os cultos, crenças e o estilo de vida de um período tão longínquo. Uma escultura gigante e cheia de mistérios.
Não se sabe como esta civilização desapareceu. Não há, por exemplo, registro de confrontos. Ao que se acredita, não houve disputa de terras, afinal, os Incas só chegaram 100 anos depois do desaparecimento dos Chanés. O império Inca se instalou em Samaipata no ano de 1400. Com técnicas mais avançadas, se instalaram ao redor da pedra gigante. Ao contrário dos Chanés, que esculpiram, os Incas construíram – com pedras menores – as casas e toda a estrutura administrativa da vila. O ponto foi escolhido para driblar as áreas mais planas que já eram dominadas pelos índios guaranis, exímios lutadores e conhecedores da região.
A queda da civilização
Com a chegada dos espanhóis ao país, no começo do século 16, caem os Incas. E justamente em Samaipata. Conta-se que nem todos foram imediatamente assassinados. Aniquilaram a civilização, mas não todo o povo. Muitos passaram a servir os espanhóis. Diante das atrocidades, muitas mulheres teriam cometido suicídio antes do fim da batalha. Não queriam cair nas mãos dos dominadores que vinham da Espanha. Preferiam a morte. Eis a queda dos Incas. Deles restou pouco... Pedras que organizavam os cômodos do que foi, um dia, a morada desta civilização no alto dos Andes.
Enfim, o “Forte de Samaipata”
O nome que ilustra placas e livretos turísticos não era o mesmo da época dos Incas. Passou a ser chamado de forte justamente pelo propósito dos espanhóis ao conquistarem o território: acreditavam que, geograficamente, estavam num lugar estratégico para dominar os países vizinhos. Para eles, Samaipata (que significa descanso nas alturas) garantia acesso privilegiado entre Assunção, no Paraguai, e Lima, no Peru. Da mesma forma que os Incas, construíram outras casas de pedra ao redor, preservaram a estrutura já existente, e estavam prontos para atacar. O forte estava erguido.


Cordilheiras transformam a viagem num amontoado de cartões postais



Da capital de Santa Cruz – que leva o mesmo nome do Estado e fica 400 metros acima do nível do mar – demora apenas três horas para chegar ao Parque Arqueológico de Samaipata. É preciso encarar a estrada cheia de subidas e curvas das Cordilheiras dos Andes. Contudo, somos brindados pela paisagem estonteante, de montanhas esculpidas em milhões de anos, aliadas ao verde, ainda preservado. Ao longo do percurso, passamos por alguns povoados andinos e enxergamos a realidade de uma gente que vive em tempos diferentes. Lutam para sobreviver. As mulheres, com suas tranças lambidas, tentam vender o que os homens, de mãos sujas e calejadas, colhem no território nada plano. E torram no calor de fevereiro à beira da estrada não duplicada.
Quando surge a subida, estreita e de chão de barro, que leva ao parque, somos recebidos por uma árvore cheia de flores amarelas – que víamos de longe contrastando com o verde. Maria Eugenia explica que se trata de uma árvore que chamam de Carnaval, pois só floresce nesta época do ano. E é neste mesmo arbusto que a placa que indica o nosso caminho está pregada. É hora de subir mais um pouco, rumo à altitude de 1970 metros. Pouco antes de chegarmos ao destino, a guia pede ao motorista para que pare o carro. Quer mostrar algo para impressionar o turista-jornalista-curioso-brasileiro: “está vendo aquela pedra? Olha bem para ela. É a ‘cara do Inca’. Assim que chamamos. A erosão esculpiu exatamente o rosto de um inca, como o gorro típico e tudo”, ressalta. E realmente parece. Fotografo a “cara do Inca” e dou o sinal para que sigamos. O carro pifa. Temos de seguir caminhando. Só agora entendo o que os jogadores de futebol tanto reclamam quando jogam na Bolívia... Meu pulmão grita socorro. Mas meus olham ordenam que se calem. Preciso ver os últimos vestígios dos Incas.





A magia “baila” pelos ares do Parque Arqueológico de Samaipata

Maria Eugenia Vega é guia turística em Santa Cruz de La Sierra. Num português pouco arrastado para uma boliviana, ela, que já morou no Rio Grande do Sul, é uma especialista em apresentar Samaipata aos turistas que vem de vários lugares do mundo. E revela que antes do teor histórico, há o misticismo. Há quem chame de ‘O Templo Mágico de Samaipata’. “Talvez pelos símbolos que foram esculpidos na pedra, que era um ponto de cerimônias. Mas o certo é que muita gente acredita que há algo especial ao redor do forte. E não há como negar a sensação especial que se tem ao olhar para este lugar”, comenta a guia.
Há quem vai além. Acreditam que o forte é o único ponto do mundo que sobreviverá ao fim dos tempos. Entre lendas e crenças, Maria Eugenia conta que o povo andino ainda realiza rituais no alto do forte, com danças e máscaras. “Alguns grupos esotéricos vão uma vez por mês para colher a energia do lugar. Foi sempre um local sagrado – tanto na época dos Chanés quanto depois, para os Incas, e ainda é para os andinos”, relata.


A caminhada pelo “Templo Mágico de Samaipata”



Enfim olho para tudo aquilo que, até então, apenas tinha visto em livretos para turista ou em páginas na internet. Fico de queixo caído. Maria Eugenia não muda a postura de professora de História. E eu não mudo a postura de turista. Fotografo tudo. Encosto em tudo. Pergunto tudo. O percurso total leva pelo menos duas horas – de muita caminhada, subidas e descidas sofríveis para um sedentário. Mas parece que aquela magia que dizem “bailar” pelos ares do forte é real. Fico hipnotizado com as pedras que, alinhadas à história e à paisagem, impressionam qualquer um. Não foi raro o momento em que a guia se viu metros a minha frente falando sozinha. Quando não ouvia o meu “sí”, olhava para trás e já sabia que eu estava agachado (ou pendurado) fotografando algo. Vejo de perto a pedra gigante esculpida pelos Chanés. Ando pelas construções dos Incas. Depois pela dos espanhóis. Percorro, fascinado, os caminhos da nossa América do Sul.


Reportagem publicada no jornal DIARINHO de 25/02/2013.

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